Reforma Tributária ainda precisa avançar para combater desigualdades, diz Oxfam Brasil

Sobre o texto apresentado pelo Grupo de Trabalho sobre a Reforma Tributária (GTSTN), a Oxfam Brasil divulgou nesta semana uma nota analisando o potencial da proposta para o combate às desigualdades no País, com sugestões e críticas, visando seu aperfeiçoamento.

O texto do substitutivo à Proposta de Emenda Constitucional n.º 45, de 2019 prevê a simplificação na tributação, com a substituição de 5 impostos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) por outras 2 contribuições: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), a ser gerida pela União; e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a ser administrado por estados e municípios. Há ainda a previsão de criação do Imposto Seletivo, uma sobretaxa sobre produtos e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.

De um modo geral, o coordenador da área de Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil, Jefferson Nascimento, afirma que a simplificação da tributação sobre consumo (bens e serviços) é importante e bem-vinda, mas ainda insuficiente. “Para reduzir as desigualdades, a reforma tributária tem que ir além da simplificação da taxação sobre o consumo“, afirma. “É preciso reduzir a alíquota dos impostos sobre o consumo, mas também redistribuir os tributos sobre renda e patrimônio.”

Em nota, a Oxfam Brasil identificou três avanços e três desafios na proposta de reforma tributária que deverá ser votada ainda este ano no Congresso:

Avanços

  1. IPVA para veículos aquáticos e aéreos e progressividade de alíquota de acordo com impacto ambiental

O texto prevê a incidência de imposto sobre a propriedade de veículos automotores terres, aquáticos e aéreos (Art. 155, § 6º, III, conforme previsto no Art. 1º da PEC 45/2019), excetuando aeronaves de operador certificado para prestar serviços aéreos a terceiros e embarcações de empresas que detenham outorga para prestar serviços de transporte aquaviário ou embarcações pesqueiras. A medida se alinha aos princípios da reforma tributária justa e solidária, conforme previsto, entre outros, na Emenda Substitutiva Global n.º 178, de 2019.

A proposta também fala sobre a possibilidade de estabelecimento de alíquotas progressivas em função do impacto ambiental do veículo (Art. 155, §6º, II, conforme previsto no Art. 1º da PEC 45/2019).

  • Progressividade no Imposto sobre Herança

O substitutivo prevê que o imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD) será progressivo em razão do valor transmitido ou doado (Art. 155, §1º, VI, conforme previsto no Art. 1º da PEC 45/2019). O texto prevê dispositivo para a cobrança de imposto sobre herança no exterior, a vigorar até que seja elaborada lei complementar regulando o tema (Art. 14 da PEC 45/2019). As medidas estão de acordo com a proposta “Tributar os Super-Ricos para Reconstruir o País”. 

  • Previsão de imposto seletivo

O texto prevê que a União poderá estabelecer, em lei posterior, imposto sobre a produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente (Art. 153, VIII, conforme previsto no Art. 1º da PEC 45/2019). A medida abre espaço para a redação de lei infralegal estabelecendo tributação federal sobre alimentos ultraprocessados, álcool, tabaco e agrotóxicos, cujos efeitos nocivos à saúde sobrecarregam o Sistema Único de Saúde, assegurando também uma definição precisa sobre externalidades ambientais e seu impacto no bem-estar da população, no clima e em um meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme defendido pela articulação Reforma Tributária 3S.

Desafios

  1. Possibilidade de incentivos tributários que podem beneficiar agrotóxicos e produtos ultraprocessados

A proposta prevê que lei complementar poderá estabelecer alíquotas reduzidas em 50% para insumos agropecuários e alimentos destinados ao consumo. Estas são categorias amplas que podem abranger agrotóxicos, produtos ultraprocessados e bebidas açucaradas. Assim, esse dispositivo vai no sentido contrário da possibilidade de criação de tributo federal saudável e sustentável, conforme previsto no novo Art. 153, VIII (de acordo com a redação dada pelo Art. 1º da PEC 45/2019). Alíquotas reduzidas para alimentos são bem vindas, desde que sejam para alimentos saudáveis.

  • Prazo para reforma do Imposto de Renda

Foi estabelecido o prazo de até 180 dias, a contar da data de promulgação da PEC, para que o Poder Executivo encaminhe, ao Congresso Nacional, projeto de lei que reforma a tributação da renda (Art. 15), estabelecendo que eventual arrecadação adicional da União poderá ser considerada como fontes de compensação para redução de tributação incidente sobre a folha de pagamento e sobre o consumo de bens. A previsão de prazo para a reforma do imposto de renda via lei infraconstitucional segue o modelo adotado na Emenda Substitutiva Global n.º 178, de 2019. Há dúvidas, no entanto, sobre a abrangência da reforma sobre o imposto de renda, inclusive com manifestações do Ministério da Fazenda negando eventual criação de novas alíquotas, o que limita o alcance da mudança. A criação de novas alíquotas e a adoção da progressividade são fundamentais para que nosso sistema tributário seja justo,

As taxas do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) afetam mais as rendas médias e não as super rendas. Além disso, ganhos com lucros e dividendos não são taxados, o que faz com que a classe média pague, proporcionalmente, mais IRPF do que muitos ricos. Para corrigir isso, é necessário ajustar as taxas do IRPF para as rendas mais altas e taxar lucros e dividendos.

  • Prazo para estabelecimento de devolução personalizada de imposto sobre bens e serviços (“cashback”)

O texto do substitutivo prevê a hipótese do estabelecimento, por meio de lei, de devolução do CBS a pessoas físicas, inclusive em relação a limites e beneficiários (Art. 195, V, § 17, conforme redação dada pelo Art. 1º da PEC 45/2019). Estudos apontam que o “cashback” teria o potencial de atenuar a regressividade intrínseca do tributo sobre consumo, ainda que haja desafios significativos em sua implementação que foram minimizados nas diretrizes para o substitutivo à PEC 45/2019, conforme texto do relatório do GTSTN, que menciona a experiência da iniciativa na Bolívia, Colômbia, Equador, Uruguai, Argentina e Canadá, além do exemplo do Rio Grande do Sul, que adota política pioneira sobre o tema.

Ao contrário do que acontece com a reforma do imposto de renda, no qual o substitutivo propõe um prazo para envio da lei para o estabelecimento de diretrizes, no caso do “cashback” há apenas menção à futura criação. A depender do lapso temporal entre o estabelecimento do IVA e a regulamentação do “cashback”, pode-se deixar milhões de famílias de baixa renda expostas ao aumento da alíquota sobre produtos essenciais, a depender da revisão da desoneração de itens da cesta básica (conforme discutido acima).

Manifesto pela Reforma Tributária 3S

A Oxfam Brasil, conjuntamente com mais de 70 organizações da sociedade civil, divulgaram em março passado o Manifesto pela Reforma Tributária 3S: Saudável, Solidária e Sustentável, convocando parlamentares e integrantes do governo federal a considerarem a reforma tributária como oportunidade para proteger o meio ambiente e a saúde pública, e como importante mecanismo de redução das desigualdades brasileiras.

Entre as propostas do manifesto estão medidas como a redução da produção e consumo de produtos que causam males à saúde da população e ao meio ambiente, e o estabelecimento de uma tributação progressiva sobre renda e patrimônio.

(Com informações da Oxfam Brasil)

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