Brincar é coisa séria. Brincando, as crianças desenvolvem a criatividade e a imaginação, a personalidade, a inteligência, a afetividade e a capacidade de se relacionar com o mundo e com as outras pessoas. Garantir esse direito, já previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), agora tem um novo reforço legal. Sancionada em 20 de março deste ano, uma nova lei determina que o governo federal, os governos estaduais e os municípios estimulem brincadeiras e relações positivas com pais e cuidadores como forma de prevenção à violência. O que já era um dever de todos tornou-se uma obrigação para os entes públicos no âmbito das políticas de assistência, educação, saúde e cultura.
A importância das brincadeiras também foi reforçada recentemente pela Organização das Nações Unidas (ONU). Em 25 de março, em sua Assembleia Geral, foi aprovada a criação do Dia Internacional do Brincar, 11 de junho, a partir de uma proposta feita pelo Brasil e por outros 12 países. “Essas iniciativas contribuem para despertar a consciência de que brincar não é algo frívolo; faz parte da natureza das crianças e é um ponto chave para o desenvolvimento saudável e feliz. Na Fundação, para além apenas das relações e atividades, avançamos o conceito para integrar a importância da existência de espaços de brincar que sejam estimulantes, adequados, seguros e acessíveis para todos”, afirma José Roberto Dalbem, diretor-executivo da Fundação FEAC, organização do terceiro setor com foco na redução de vulnerabilidades, com prioridade em crianças e adolescentes.
Diversos estudos científicos reconhecem a importância do brincar. Artigo publicado na revista Pedriatrics, da Academia Americana de Pediatria, ressalta que “correr riscos, experimentar e testar limites” por meio das brincadeiras é fundamental para “aprender competências do século XXI, como resolução de problemas, colaboração e criatividade”. As brincadeiras também ajudam a saúde mental das crianças, como mostra uma pesquisa da Universidade de Cambridge.
Todo lugar é lugar de brincar
Mas como a sociedade, e particularmente os governos, podem assegurar o direito à brincadeira? Uma das formas é criar espaços lúdicos, defendem os especialistas. “Os prédios, as ruas e as casas são projetadas para atender às necessidades dos adultos. Se fizéssemos uma inversão, e pensássemos antes nas necessidades das crianças e suas famílias, tendo o brincar como aspecto central, os ambientes físicos, as cidades, seriam muito mais inclusivas, alegres e amigáveis”, afirma a pedagoga Stelle Goso, analista de projetos do Núcleo de Proteção e Desenvolvimento da Criança, Adolescente e Jovem da Fundação FEAC.
Ao longo dos 60 anos de sua existência, a Fundação já apoiou diversas ações para estimular o desenvolvimento infantil por meio das brincadeiras. Atualmente, investe em três projetos que têm como foco proporcionar ambientes mais lúdicos e naturais para as crianças, abrindo horizontes de descobertas e aprendizado: Caminhos do Brincar, Espaços Educadores e Verdejando Escolas. Juntos, eles receberão mais de R$ 5,5 milhões neste ano, beneficiando diretamente 5.050 crianças. “As escolas, bem como as Organizações da Sociedade Civil que atuam como parceiras na política pública municipal com educação, são essenciais na promoção do bem-estar social com redução de vulnerabilidades que atingem crianças e adolescentes. Esses projetos reconhecem e firmam parcerias com as organizações para fomentar espaços indutores do brincar para que gerem o estímulo à recreação e ao convívio, ao mesmo tempo que catalisem o desenvolvimento cognitivo e socioemocional das crianças”, afirma o superintendente socioeducativo da FEAC, Jair Resende.
Iniciado em 2021, o Caminhos do Brincar incentiva a ocupação de espaços públicos pelas crianças e suas famílias, com atividades semanais que envolvem o resgate de brincadeiras tradicionais, como carrinho de rolimã, amarelinha e pular corda, e apresentações circenses e culturais no bairro Satélite Íris, região periférica de alta vulnerabilidade em Campinas-SP. As ações são feitas em conjunto com o Circo Família Burg e o Projeto Gente Nova (Progen).
A próxima fase do projeto, a ser iniciada este ano, envolve o urbanismo tático: intervenções viárias e paisagísticas que serão feitas no entorno de uma escola de educação infantil do bairro para tornar mais seguro e divertido o trajeto das crianças. Realizado com o apoio de uma rede de parceiros, prevê, além de mudanças no sistema viário e de iluminação, arborização, calçadas mais largas com bancos, equipamentos para as crianças brincarem, espaços sombreados, pintura e grafismos, além de uma praça. Até mesmo o ponto de ônibus foi idealizado para atender os alunos e suas famílias: o projeto prevê que tenham apoio para trocador, banco infantil e painel lúdico para crianças.
“Queremos garantir o acesso das crianças e suas famílias à cidade, que o deslocamento até a escola seja mais seguro e atrativo, que tenham espaços próximos para descansarem, brincarem juntos, que tenham mobiliários projetados para atender a necessidades como uma troca de fraldas, por exemplo”, diz Stelle. “O entorno das escolas precisa ser projetado para o pedestre, não para os veículos. Menos veículos e menos tráfego, mais segurança, maior qualidade do ar, maior possibilidade de interação e convivência de qualidade.”
O Caminhos do Brincar foi planejado não só para aumentar a segurança, mas criar laços familiares e comunitários. Foi concebido com a participação de educadores, moradores e das próprias crianças, e está sendo realizado com uma rede de parceiros: Ateliê Navio, especializado em planejamento urbano e arquitetura voltados à infância; Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas (Emdec); PIC – Primeira Infância; Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Campinas, e Bloomberg Philanthropies, organização voltada a criar soluções inovadoras para problemas sociais e ambientais.
Reprodução: Ateliê Navio
Projeto de zona calma no entorno da CEI Bem Querer Dom Edward R. de Barros Cavalcanti
Reprodução: Ateliê Navio
Bancos e brinquedos de madeira no projeto do Espaço de Proximidade: urbanismo tático
Brincando também se aprende
As brincadeiras são ferramentas pedagógicas essenciais. Inserir o brincar nas políticas públicas requer também trabalhar com creches e pré-escolas. Mais do que salas de aulas, as crianças precisam de espaços para que possam explorar o mundo. Essa é a proposta dos projetos Espaços Educadores e Verdejando Escolas.
O Espaços Educadores já transformou 20 organizações que atuam na educação infantil beneficiando mais de 4 mil crianças. Todas receberam móveis adequados à idade dos alunos e objetos lúdico-pedagógicos que permitem a investigação e a interatividade, fabricados pelo ateliê especializado Quero-Quero. As equipes pedagógicas das escolas também foram orientadas pelo Quero-Quero Saber Mais a como usar os novos materiais. Em cinco das 20 escolas, o projeto contou com apoio financeiro do Instituto Arcor Brasil.
“O espaço importa muito na educação infantil. Precisamos criar contextos para que as crianças elaborem hipóteses, sejam estimuladas a realizar suas próprias pesquisas. Os móveis são projetados para incentivar o desenvolvimento global e são todos de madeira, para ampliar os estímulos sensoriais. Os materiais foram pensados para despertar a criatividade e o aprendizado baseado na brincadeira”, afirma Stelle.
Estímulos que vêm da natureza
Essa proposta também se estende para os ambientes externos no projeto Verdejando Escolas, com a criação de áreas verdes em unidades de educação infantil de organizações sociais. Neste ano, três delas tiveram seus espaços transformados: no lugar dos brinquedos de plástico, equipamentos de madeira e materiais naturais, gramado para correr, terra para pisar, estações que estimulam o livre brincar, as experiências ativas e o contato com a natureza.
Nesse projeto, a FEAC tem como parceira a CoCriança. Como o nome sugere, a proposta da organização é que as crianças também participem da criação desses espaços. “Existem inúmeras evidências da importância do contato com as áreas verdes para o desenvolvimento e bem-estar infantil. Por causa da desigualdade social, muitas crianças não acessam espaços naturais. Atuamos para alterar essa realidade e, uma das formas para isso, é que elas possam encontrar na escola parques naturalizados, projetados com elas e para elas”, comenta Dalbem, dretor da Fundação FEAC.
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Por que brincar é tão importante para o desenvolvimento das crianças?
Capacidade motora – Atividades como correr e pular ajudam na força muscular, coordenação e equilíbrio, enquanto brincar com objetos pequenos e desenhar trabalham a coordenação motora fina, essencial, por exemplo, ao segurar um lápis para escrever.
Cognição – As brincadeiras desenvolvem a capacidade de resolver problemas e o pensamento crítico.
Controle emocional – Brincando, as crianças expressam sentimentos, aprendem a lidar com suas emoções e serem mais empáticas e resilientes.
Habilidades sociais – Brincadeiras coletivas ajudam a formar laços de amizade, fortalecem a integração, comunicação, cooperação, planejamento, negociação e resolução de conflitos.
Imitação e exploração – O faz-de-conta estimula a imaginação e permite às crianças experimentarem diferentes papéis sociais, além de explorarem o mundo de forma segura e criativa.
Autonomia – Jogos e brincadeiras possibilitam descobrir habilidades e limitações, e formas de lidar com elas com independência.
Estímulo à linguagem – Pela interação com adultos e outras crianças, ampliam o vocabulário e sua capacidade de comunicação.
Desenvolvimento sensorial – Ao ter contato com diferentes texturas, sons, cores e sabores experimentam todos os sentidos.
Conhecimento – Brincar estimula a curiosidade natural das crianças em explorar e descobrir o mundo ao seu redor.
Hábitos saudáveis – Brincadeiras ao ar livre incentivam um estilo de vida ativo e saudável, o desenvolvimento físico e mental.
Redução do estresse – Momentos de diversão e relaxamento contribuem para o desenvolvimento da função executiva e a aprendizagem do comportamento pró-social.
Relacionamentos seguros – O envolvimento positivo de pais e cuidadores cria vínculos estáveis e estimulantes, e encorajam o desenvolvimento de habilidades.
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O QUE DIZ A LEI Nº 14.826
Institui a parentalidade positiva e o direito ao brincar como estratégias intersetoriais de prevenção à violência contra crianças.
É dever do Estado, da família e da sociedade a promoção dos seguintes aspectos da parentalidade positiva:
- Manutenção da vida: ações de proteção e manutenção da vida da criança, de forma a oferecer condições para a sua sobrevivência e saúde física e mental, bem como a prevenir violências e violações de direitos;
- Apoio emocional: atendimento adequado às necessidades emocionais da criança, a fim de garantir seu desenvolvimento psicológico pleno e saudável;
- Estrutura: conjunto de equipamentos de uso comum destinados a práticas culturais, de lazer e de esporte, com garantia de acesso e segurança à população em geral;
- Estimulação: promoção de ações e de campanhas que visem ao pleno desenvolvimento das capacidades neurológicas e cognitivas da criança;
- Supervisão: estímulo a ações que visem ao desenvolvimento da autonomia da criança;
- Educação não violenta e lúdica: ações que promovam o direito ao brincar e ao brincar livre, bem como as relações não violentas.
Os direitos e garantias fundamentais da criança e do adolescente a:
- Brincar livre de intimidação ou discriminação;
- Relacionar-se com a natureza;
- Viver em seus territórios originários;
- Receber estímulos parentais lúdicos adequados à sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
Sobre a Fundação FEAC
A Fundação FEAC é uma organização independente que atua há 60 anos em Campinas (SP) com o objetivo de contribuir para a criação de uma sociedade mais justa, sustentável e com igualdade de oportunidades. Para isso, investe em ações de educação, assistência social e promoção humana com foco nas regiões e nas populações mais vulneráveis, especialmente crianças e adolescentes, e no impulsionamento de organizações da sociedade civil, empresas e pessoas para as causas sociais. A FEAC investe em projetos próprios e de outras organizações da sociedade civil, movimentos sociais e grupos populares que tenham relação com suas linhas estratégicas e objetivos. As atividades são financiadas por recursos da fundação e por parcerias institucionais.
(Assessoria de Imprensa)