Mulheres trans se destacam no mercado de tecnologia

Conheça a “Reprograma”, iniciativa que apoia profissionais trans no mercado de tecnologia e já formou mais de 200 mulheres trans e travestis

Neste Dia Nacional da Visibilidade Trans, um dado a ser comemorado é o crescimento de pessoas trans no mercado de tecnologia. A plataforma Transempregos intermediou a contratação de mais de mil profissionais trans em 2023, e cerca de 16% delas dentro de setores ligados à tecnologia. A Reprograma, iniciativa que busca o aumento da empregabilidade de mulheres neste mercado específico, treinou mais de 200 desenvolvedoras trans, conseguindo empregar 75 alunas no mesmo ano. 

Liana Alice, mulher trans e ex-aluna da Reprograma, conta como foi a experiência na formação em programação e no mercado de trabalho, até chegar ao cargo de Coordenadora de Ensino no negócio de impacto social. Artista, ela teve o primeiro contato com a iniciativa em meados de 2020, logo antes do começo da pandemia. Na tentativa de alcançar estabilidade financeira, viu na área de programação uma oportunidade para entrar no mercado de trabalho da tecnologia.

“Eu conheci a Reprograma em 2020 pela internet. Eu estava buscando um momento de mais estabilidade financeira na minha vida, algo que muitos artistas não têm. Eu já estava começando a estudar por conta própria a área de programação e, quando me inscrevi no Bootcamp da Reprograma, foi uma aceleração do meu processo de aprendizado”, relembra Liana.

Liana está no projeto com Bárbara Santiago. Gerente de Diversidade e Inclusão e pós-graduada pela UFRJ em Gerenciamento do Terceiro Setor e Responsabilidade Social, Bárbara também entrou na Reprograma como aluna e depois conquistou espaços importantes dentro do projeto. Ela acompnhou os primeiros passos da Reprograma, passando pela pandemia, entendendo os mecanismos do mercado e promovendo mais produtos voltados à inclusão de mulheres cis, trans e negras. 

“Eu comecei aqui na Reprograma como aluna em 2017, e em 2019 eu comecei oficialmente a trabalhar na organização, fazendo de tudo um pouco. Eu era Coordenadora de Operações e, em 2021, se eu não me engano, ou 2022, a gente cresceu e começou a ter a necessidade de ter uma pessoa que olhasse especialmente para ações de diversidade, e eu fui escolhida”, revela Bárbara.

Em plena pandemia, junho de 2020, a primeira turma da Reprograma, totalmente online, iniciou com aulas técnicas ao vivo uma vez por semana aos sábados. Além de algumas atividades durante a semana à noite para suprir as necessidades das alunas, como desenvolvimento sociocomportamental, utilização do LinkedIn, postura, entre outros treinamentos. 

Arquivo Pessoal

Liana e Bárbara, integrantes da Reprograma

Esse foi o momento que Liana conheceu também o Bootcamp da Reprograma. Ela falou dos desafios vividas na época: “Durante o curso, eu acho que o meu maior desafio foi a pandemia, foi um caos para todo mundo. Mas eu me senti bem acolhida, mesmo que estivesse aprendendo sobre a parte de código, eu sinto que por ser um ambiente acolhedor, a colaboração, mesmo durante momentos difíceis, me ajudou bastante a conhecer o código. É óbvio que é um curso intensivo e é muito conteúdo de uma vez só, então em alguns momentos isso pode gerar uma insegurança, mas passa. Chorei algumas vezes porque eu não consegui fazer o projeto da forma como eu queria ter feito, enfim, mas esses momentos passam e a gente vai aprendendo. Terminei o curso no final de junho, fiz bastante processos seletivos, recebi muitos feedbacks ruins, o que é frustrante no pós-curso. Mas, eu acabei dando sorte, fui parar em uma empresa legal, como desenvolvedora front-end e fui convidada para ser professora na Reprograma”.

Nos bastidores, enquanto Liana realizava o curso, Bárbara pensava junto com suas colegas maneiras de tornar o curso acessível para pessoas em maior situação de vulnerabilidade: “Então, diante das adversidades da pandemia, a gente pensou em fazer empréstimo de computadores para as pessoas que não tinham, fornecer auxílio internet e, atualmente, temos até um auxílio permanência, um valor que é mais ou menos de R$ 1.200,00, pago para algumas pessoas em maiores situações de vulnerabilidade dentro do curso para que elas consigam se dedicar. O acesso nos transforma em vários níveis”, pontuou Bárbara.

A inclusão é uma das palavras-chave do negócio de impacto que vem mudando a vida de inúmeras mulheres. Ao pensar nisso, a Reprograma vê a necessidade de não levar em consideração, por exemplo, ao selecionar as alunas trans e travestis, a escolaridade delas, já que muitas não conseguem continuar na escola quando são excluídas do convívio familiar.

“No nosso processo seletivo, como a gente preza pela empregabilidade, o ensino médio precisa ser completo, exceto para mulheres trans e travestis, porque esse lugar é negado a elas. Ao mesmo tempo, a gente conversa com as empresas, com parceiros, a gente faz um estudo. A gente divide a responsabilidade com nossos parceiros de continuar desenvolvendo essas mulheres já que elas não tiveram acesso à escolaridade completa”.

Liana, enquanto mulher e programadora, reconhece o lugar em que as mulheres são colocadas no mercado de tecnologia. A disparidade de gênero ainda é muito grande nesse setor da economia: “Eu sinto que os homens já têm um lugar de pré-reconhecimento que as mulheres não têm. Para mulheres e para mulheres trans é mais complicado, porque você tem que estar demonstrando que você é qualificada, que você não está ali só porque você é uma cota, sabe? Se o ambiente não é cheio de mulheres, não é cheio de pessoas negras, não é cheio de pessoas trans, se tu é a única pessoa trans num lugar, se tu é a única mulher num lugar, é como se tu não devesse estar ali, como se tu não fizesse parte. Então, podemos passar por situações desconfortáveis”.

Com 54 turmas realizadas, a Reprograma já formou quase duas mil mulheres, sendo 10% delas mulheres trans e travestis. Além de 70% das alunas formadas serem pretas e pardas. “A entrada de pessoas diversas no mercado, ela nunca se deu por um entendimento do mercado de que isso seria bom, mas porque isso daria dinheiro. Então, eu acho que a gente precisa entender isso até pra gente conseguir falar os termos que o mercado fala. Nossa missão desde sempre foi transformar o mercado de tecnologia, levando à diversidade. Então a empregabilidade está no radar de tudo isso. Diversidade é potência e comunidade é potência”, concluiu Bárbara.

Reprograma

A Reprograma é um negócio de impacto social voltado para mulheres em situação de vulnerabilidade que tem como objetivo diminuir a lacuna de gênero no setor de tecnologia por meio da capacitação profissional em programação, priorizando em seus processos seletivos negras, trans e travestis.

A ideia da associação sem fins lucrativos partiu da peruana Mariel Reyes Milk, que se conectou a um grupo de pessoas voluntárias para dar vida ao projeto. Em maio de 2016 foi aberta a primeira turma piloto de front-end de 6 semanas, em São Paulo. Ao final, diante de um projeto bem sucedido, Mariel, junto à Carla De Bona e Fernanda Faria fundaram oficialmente a Reprograma.

Para saber mais sobre, acesse: https://reprograma.com.br/.

Esta reportagem também está disponível em áudio, no podcast Pauta Social, como o 1º episódio da série de reportagens do “Repórter Pauta Social”, ouça abaixo ou pelo aplicativo Spotify.

(Por Rafaela Eid)

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