Por Natalia Viana*
Há cerca de um mês, o prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, em sua passagem pelo Brasil, afirmou que “a informação é um bem público. Esse é um preceito básico da economia”. Stiglitz faz parte de uma corrente de pensadores que, cada vez mais, tem buscado alertar a sociedade sobre a necessidade de financiar o jornalismo.
“Acredito que boas democracias têm mecanismos para criar uma imprensa independente e vibrante”, disse.
Aqui no Brasil, a Agência Pública, em parceria com a Rede Comuá, promoveu recentemente um seminário sobre o Jornalismo Sem Fins de Lucros, uma tendência que tem crescido dentre o investimento social privado. Como alertou Stiglitz, é preciso que a sociedade se organize para defender o jornalismo.
O propósito dessas organizações é que o jornalismo é um serviço público e não é necessariamente comercial. Ele ajuda o bem comum e a democracia. Daí vem o nome “público” em muitos desses centros, como da “Agência Pública”, organização da qual sou co-fundadora e que recentemente se associou ao GIFE.
Trata-se de jornalismo de interesse público. Há 12 anos, a Pública atua para fortalecer o jornalismo sem fins de lucro e independente no Brasil. Para isso, incubamos outras iniciativas, fornecemos bolsas para jornalistas e comunicadores indígenas e organizamos eventos, treinamentos e debates que buscam ilustrar o impacto e a inovação desse tipo de jornalismo.
Isso vem do reconhecimento que o jornalismo de interesse público é fundamental para fazer as instituições funcionarem, as leis a serem cumpridas e as pessoas a saberem seus direitos. Ele serve para monitorar constantemente os poderosos, denunciar e contribuir com os órgãos públicos.
O jornalismo investigativo realizado por organizações sem fins de lucro – como a Agência Pública – ajuda, por exemplo, a expor empresas e políticos que estão violando as leis. Em um país de dimensões continentais como o Brasil, isso é ainda mais importante, porque muitas vezes o Estado não chega em todo lugar.
No mundo todo, o jornalismo está enfrentando uma crise econômica, devido ao fim da era dos anúncios, que hoje são concentrados pelo Google e Meta. Juntos eles têm mais de 50% dos anúncios que iam para jornais do mundo todo. Isso acontece ao mesmo tempo em que vivemos uma crise de fake news que inclui ataques diretos à democracia. Esse é talvez o maior desafio do nosso tempo.
Vale lembrar que o jornalismo investigativo não é o único tipo de jornalismo sem fins de lucro. Existe jornalismo local, jornalismo comunitário, jornalismo feminista, jornalismo negro, jornalismo ambiental, jornalismo cultural. Para combater a desinformação é necessário mais informação de qualidade.
Assim, tem sido crescente a atuação do investimento social privado para apoiar iniciativas de jornalismo que se mostram profissionais, sólidas e alinhadas com o bem comum. Segundo Rosental Calmon Alves, professor da Universidade de Texas, nos EUA, apenas no mês passado, 20 fundações americanas prometeram investir nada menos que 500 milhões de dólares em redações locais e pequenas.
A coordenadora de Comunicação do GIFE, Natália Passafaro, alertou, entretanto, que o investimento social privado em jornalismo sem fins de lucro no Brasil ainda tem ações tímidas e que precisam ser compreendidas a partir de um olhar mais estratégico e menos perene.
Esse poderia ser o primeiro passo. É fundamental que as instituições do Investimento Social Privado conheçam esse novo campo do terceiro setor e entendam como ele pode ajudar a avançar os direitos e as causas defendidas por elas.
Algumas organizações, como os Institutos Serrapilheira, Ibirapitanga e o Instituto Betty & Jacob Lafer saíram na frente e já apoiam organizações de jornalismo. Eles têm muito a compartilhar com os outros sobre essas experiências.
Apoiar o jornalismo diretamente seria o segundo passo. E aqui, uma cautela é necessária: jornalismo não é assessoria de imprensa, é apuração e publicação de informação de qualidade. Uma boa parceria não interfere na independência editorial nem na ética essencial ao bom jornalismo.
Um exemplo bem-sucedido de parceria são as Microbolsas de Reportagem, um modelo que criamos há 12 anos na Pública e hoje é replicado em vários outros lugares. Já estamos na 15ª Edição.
Com apoio de uma organização de peso, como Greenpeace, Conectas, Fundação Ford ou Oxfam, abrimos um edital para repórteres de todo o Brasil enviarem propostas de investigações sobre um determinado tema, de interesse do parceiro. A seleção é feita conjuntamente e a mentoria e edição, apenas pelos editores da Pública, mantendo total independência editorial.
É uma bela maneira de capacitar jornalistas e chamar atenção para causas pouco conhecidas do grande público.
Mas esse é apenas um modelo de parceria. Apoios diretos, formação de jornalistas, patrocínio de eventos – há uma infinidade de oportunidades.
Está cada vez mais claro que a única maneira de defender a democracia e combater o efeito das fake news na sociedade é com mais jornalismo de qualidade. Está na hora da sociedade e da filantropia darem as mãos para defenderem esse bem comum.
*Natália Viana é co-fundadora e diretora executiva da Agência Pública. É autora e co-autora de cinco livros sobre violações de direitos humanos, sendo o último Dano Colateral, sobre o retorno dos militares à política (Objetiva, 2021).
Fonte: GIFE