A Rede Comuá lançou na última terça-feira (5/9), a primeira edição do estudo “Filantropia que Transforma”, que apresenta um panorama atualizado da filantropia independente no Brasil. Foram 31 organizações de filantropia independente mapeadas e analisadas.
A pesquisa mostrou que o foco das doações (74%) é o fortalecimento institucional de organizações que atuam na defesa de direitos. Além disso, foram mais de R$ 470 milhões em doações diretas, 719 pessoas empregadas e 10 mil iniciativas apoiadas.
Outros destaques apontados no estudo são a ampla diversidade das organizações; democratização do acesso a recursos e capacidade de grantmaking.
“Há uma prioridade para fortalecimento institucional, o que fortalece as agendas de direitos humanos e justiça social. Existe uma tentativa hercúlea de ser um apoio flexível, com autonomia, olhando para pautas interseccionais”, explica Cássio Aoqui, diretor-executivo da ponteAponte.
A descoberta também chamou a atenção de Gelson Henrique, coordenador executivo da Iniciativa PIPA. Numa pesquisa do grupo, divulgada também este ano, mostra que no Brasil, 31% das organizações de periferia vivem com menos de R$ 5 mil por ano.
“Na filantropia que temos hoje o fortalecimento institucional não é prioridade. Mas na filantropia comunitária sim. Falar de financiamento em fortalecimento institucional infelizmente ainda é inovador no Brasil”, lamenta.
A pesquisa também chama atenção para o fato de que 87% das organizações mapeadas incluem as contribuições de lideranças, comunidades e organizações apoiadas em seus processos decisórios. Cristina Orpheo, diretora executiva no Fundo Socioambiental CASA, acredita que o grande diferencial da filantropia para justiça social é reconhecer o protagonismo dos atores locais na transformação do território.
“Isso é uma incidência que levamos ao campo da filantropia como um todo e precisa ser enfrentado. As organizações do Sul Global estão mostrando ao campo da filantropia que são mecanismos eficientes para que os recursos cheguem às comunidades.”
Oportunidades
Os dados fornecidos pelo estudo revelam conhecimentos sobre uma forma de fazer filantropia pouco conhecida, mas considerada inovadora. Entre os desafios apontados, no entanto, estão as consequências de longo prazo da conjuntura política da última gestão federal e da pandemia de Covid-19; falta de compreensão sobre filantropia comunitária dentro do próprio campo; necessidade do Brasil ampliar sua cultura de doação. Já entre os obstáculos internos, as equipes reduzidas e sobrecarga de trabalho se destacaram.
Ao olhar em uma perspectiva global, Ese Emerhi, que integra a Global Fund Community Foundations, é categórica ao afirmar que a filantropia comunitária é a resposta. “Se não fosse por essas organizações, os que estão às margens da sociedade não sobreviveriam a Covid-19.”
Ese Emerhi defende a prática de uma filantropia baseada no shift the power, onde o poder é deslocado para perto do território, reconhecendo os conhecimentos, competências e redes daqueles que são vistos como os beneficiários dos recursos doados.
“É uma chamada radical para respeitar os direitos da comunidade sem impor uma ideia ocidental de mostrar como se faz. Doar para transformar não é chegar a uma comunidade com um pacote de soluções bonito e bem apresentado, é sobre dignidade e justiça para as pessoas que estão no centro disso”, ressalta.
A pesquisa destacou ainda que as doações de organizações internacionais continuam sendo a principal fonte de recursos para a filantropia comunitária e de justiça social no Brasil.Para os investidores que buscam mudar suas práticas de financiamento no país, Ese Emerhi aconselha paciência, por se tratar de um modelo que ainda não foi documentado de maneira tradicional. Lembra ainda da importância de doar não apenas recursos financeiros, mas também dar acesso à sua rede, conexões e estrutura de fundraising.
Fonte: GIFE