Fim do imposto sobre doações é uma vitória para a sociedade civil brasileira

Brasil deixará de fazer parte do pequeno clube de nações que taxam a intenção de fortalecer organizações da sociedade civil

A aprovação da primeira fase da Reforma Tributária tem sido considerada histórica. Isto não é fato apenas por este processo ter sido formulado e negociado durante os últimos 30 anos. Mais do que isso, há a real possibilidade de se criar um ambiente tributário mais justo e progressivo, considerando a fase que irá focar na tributação da renda.

Um dos avanços que está no texto promulgado é o fim de um dos impostos mais injustos e contraproducentes: a taxação de doações para instituições sem fins lucrativos.

Até que a lei seja implementada, cada estado da federação define um valor máximo de isenção para doações. Acima desse valor há a obrigação de pagar imposto, que varia de 1% a 8% do montante doado. Uma doação de R$ 100 mil implica, em média, em R$ 4.000 de tributos devidos.

A proposta de isenção de tributação para doações sem fins lucrativos é uma vitória importante para as organizações da sociedade civil. Este setor é fundamental para o Brasil, atuando em áreas como educação, saúde, assistência social, cultura e meio ambiente.

As organizações sociais atuam às vezes em conjunto com o governo, em parceria com as políticas públicas, e em outras de forma a pressionar o setor público e o privado para melhorias de suas leis e práticas. A recente pandemia que impactou o Brasil e o mundo demonstrou novamente a importância da sociedade civil no combate à pobreza e à fome e na atenuação dos efeitos da crise.

A reforma também traz uma marca importante. Segundo pesquisa do Gife – Grupo Institutos, Fundações e Empresas e da Fundação Getúlio Vargas, o Brasil era um de três países a taxar doações sem fins lucrativos, junto com Croácia e Coreia do Sul.

A grande maioria do mundo não tem esse imposto. Ao contrário, é comum haver leis para incentivar a doação de cidadãos e empresas para o setor social. Felizmente, o Brasil deixará de fazer parte desse pequeno clube de nações que taxam a intenção de fortalecer organizações da sociedade civil.

Este resultado é reflexo de anos de estudos, diálogo e pressão por parte de organizações representativas da sociedade civil, entre as quais as que assinam este artigo.

Foi um processo de conversas constantes entre sociedade, governo, representantes do legislativo, pesquisadores e movimentos sociais. Aos poucos foi amadurecendo a ideia de que este era um imposto injustificável, pois trazia poucos recursos ao caixa governamental, ao custo de um menor valor dedicado a ações sociais e muita burocracia para governos e sociedade civil.

É fácil prever algumas das boas consequências que virão pela frente. Entre elas, mais recursos para as organizações sociais e suas iniciativas, menos uma barreira às doações de empresas e cidadãos, mais clareza e segurança jurídica.

Sendo um imposto estadual, cada unidade da federação tinha regras e procedimentos diferentes sobre como cobrar o tributo. Para organizações que recebem doações de todo o país, uma grande dor de cabeça a menos.

Se essa batalha do fim do imposto sobre doações para organizações sem fins lucrativos foi vencida, ainda resta ver como será a regulamentação e a implementação da lei. O principal risco é de que o fim da incidência do imposto seja estendido a apenas parte das organizações —por exemplo, aquelas que têm alguma certificação governamental. Ela deveria beneficiar todas as organizações de interesse público, como prevê o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (Lei 13.019/14).

É tempo de celebração. Contudo, logo devemos voltar à prática constante de diálogo, cuidado e acompanhamento das ações de governos e casas legislativas.

A doação é uma das melhores e mais importantes expressões da generosidade do povo brasileiro. Precisamos assegurar que esse comportamento seja cada vez mais valorizado e estimulado por nossas leis, impulsionando o importante o trabalho do setor social por um país mais justo e menos desigual.

(Publicado originalmente na Folha de S. Paulo)

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