Contamos os desafios, as dores e as vantagens de ter clientes focados apenas no terceiro setor: o case da Pauta Social

Focar em clientes apenas de um segmento pode ser interessante para as agências de comunicação: favorece, por exemplo, o relacionamento com a imprensa

Cristine Gentil

Fonte: Blog do I’Max

Não é toda agência de comunicação corporativa que pode se dar ao luxo de escolher os seus clientes. Mas, às vezes, isso ocorre naturalmente. Um cliente indica outro do mesmo segmento, a agência vai se especializando em determinado setor e, de repente, torna-se uma agência de nicho. Será que vale a pena? Hoje, contamos a história da agência Pauta Social, que trocou uma cartela de clientes do mercado financeiro por outra, composta apenas por organizações não governamentais e negócios sociais.

Essa guinada de 180 graus ocorreu em 2016. Nascia formalmente a Pauta Social. Na verdade, renascia – com novo nome de batismo e com um nicho de atuação bem definido. Antes de se tornar Pauta Social, a agência fundada pela jornalista Adriana Souza Silva era a Fato Relevante, criada em 2012, focada em um universo completamente financeiro.

Adriana Souza e Silva, sócia-fundadora da Pauta Social: do setor financeiro para o Terceiro Setor

Adriana e outros egressos do jornalismo econômico se especializaram em divulgar conteúdos e releases sobre IPO, mercado de capitais e fundos de investimentos, por exemplo. Até que apareceu um primeiro cliente fora da rota: a Fundação Abrinq.

“Eu abracei esse cliente e comecei a descobrir as alegrias e os desafios de trabalhar com o terceiro setor”, conta Adriana, que, além de jornalista, é formada em Ciências Sociais, tem pós-graduação em Gestão de Negócios Sociais, especialização em Marketing de Engajamento Digital, além de um MBA em Finanças.

Depois da Fundação Abrinq, veio a Oxfam Brasil, que estava chegando ao país em 2015. “Então, já eram dois clientes do terceiro setor, que estavam disputando espaço na agência com os clientes de economia. Pensei: ‘o que eu faço com essas ONGs? Deixa eu colocar um biombo aqui’ e dei o nome de Pauta Social”, conta Adriana.

Ao mesmo tempo, começava a se popularizar a “onda” ESG (Environmental, Social and Governance), as três letrinhas que transitam tanto no mundo das finanças quanto no da comunicação. Apareceu, então, uma empresa privada, que queria dar visibilidade especificamente às ações de diversidade.

Adriana tomou a decisão de trocar de nicho. Vendeu a cartela de clientes da área financeira, mudou o nome da agência e passou a trabalhar para organizações da sociedade civil sem fins lucrativos e negócios sociais (que têm lucro, mas propósitos e valores ligados à promoção de uma sociedade mais justa e um mundo melhor de se viver), além de alguns clientes da iniciativa privada com foco em ESG.

Atualmente, a equipe de sete pessoas (todas mulheres, a maioria de jornalistas; apenas uma é profissional de relações públicas) cuida de 12 clientes fixos e, eventualmente, a agência é contratada para trabalhos específicos, como produção de conteúdo, e-books, media training, dentre outros.

Lembra a pergunta lá do início do artigo: “Valeu a pena a troca de nicho?”. Adriana responde: “Nunca tive tempo de prospectar clientes. Hoje a Pauta Social é uma empresa consolidada para o terceiro setor e nos enche muito de orgulho. Nesses últimos quatro anos, a gente ajudou, trabalhando com ONGs, a denunciar o desmonte das políticas públicas”.

Além disso, Adriana aponta o benefício pessoal de se trabalhar com o que se gosta: “É um alento, porque muitas vezes uma agência não pode escolher clientes. Atire a primeira pedra quem nunca fez uma gestão de crise que preferia não fazer.”

Os desafios de divulgar o terceiro setor

Segundo Adriana, os desafios de divulgar o terceiro setor para a imprensa não são tão diferentes das dificuldades enfrentadas pelas assessorias que têm clientes de outros setores e que precisam acessar as redações. Mas há algumas especificidades do terceiro setor.

“Sempre vai ter uma necessidade de ter uma estatística inédita, uma informação exclusiva, a foto em alta definição, todo um media kit que, às vezes, uma organização ou projeto social não tem. Às vezes, por exemplo, a foto tem que ser em alta definição, mas a única imagem que temos foi feita por uma professora lá no interior, que trabalha no projeto”, exemplifica Adriana.

Muitas vezes, as ONGs trabalham com base em estatísticas de órgãos públicos, como IBGE ou IPEA, que demoram a atualizar. Mas os jornalistas de redação querem dados exclusivos e muitos atuais. Esta é outra dificuldade de divulgar o terceiro setor.

Camila Aranha, diretora de Inovação da Pauta Social: relacionamento com a imprensa é fundamental para ONGs

Camila Aranha, diretora de Inovação e Novos Produtos da Pauta Social, explica outra dificuldade: a dificuldade de encaixar a notícia boa em um dia a dia pautado por tragédias e com um noticiário muito factual.

“As ONGs vendem a notícia boa e a notícia boa, muitas vezes, é a solução. Por exemplo: aconteceu o caso da professora assassinada na escola, então, pode ter visibilidade um projeto social, que é superlegal e trabalha a educação socioemocional dos estudantes da escola pública. Precisamos ficar de olho nesses momentos para mostrar que existe projeto social que pode amenizar a situação ruim.”

Para Adriana, que também trabalhou em várias redações, mudou muito a dinâmica da grande imprensa em relação à quantidade de informações. Antes, era possível estender muito um assunto, que rendia várias suítes.

“Antes, tinha meia dúzia de emissoras com telejornais; hoje tem tantos portais de notícias, portais especializados, regionais, e uma diferença muito grande em termos de quantidade de informações que o jornalista precisa retratar e é um paradoxo quando vemos o número de jornalistas dispensados nessas duas últimas décadas”, comenta.

Ou seja, aumentou o número de notícias e diminuiu a quantidade de jornalistas. “O noticiário é mais vibrante, mas também desesperador para a assessoria. Precisamos explicar para a fonte que a semana passada virou século passado para um repórter de redação. Se não conseguirmos encaixar um artigo, por exemplo, naquele dia que aconteceu o fato, aí perdemos a pauta”, explica.

Lidar com o timing dos clientes, que é muito diferente dos jornalistas, é essencial. Camila conta que, ainda no briefing para ver as necessidades do contratante, é recomendável já incluir um media training, para explicar todo esse dinamismo da imprensa hoje em dia. “Nosso media training se chama ‘A mídia como ela é’ – exatamente para que a gente atualize o cliente da realidade na trajetória da pauta até o clipping”, explica Adriana.

A relevância da mídia para os negócios sociais

A compreensão do cliente em relação ao funcionamento da mídia hoje, segundo Adriana, depende muito do porta-voz. Alguns são mais exigentes com a questão da visibilidade, outros dizem: “Se for assim, prefiro nem sair”.

De qualquer forma, os clientes são mais tranquilos em geral do que os do mercado financeiro. Apesar disso, a mídia é importantíssima para este segmento. Quanto mais visibilidade e boa aceitação o negócio gera, mais consegue autoridade para tratar o assunto e, consequentemente, mais recursos para a organização trabalhar com as suas causas.

Tanto Adriana quanto Camila concordam que, apesar de muito se falar sobre a perda de relevância da imprensa, uma boa estratégia de comunicação com assessoria de imprensa ainda é essencial, sobretudo para as organizações do Terceiro Setor. “Sair na imprensa hoje para organizações sociais é muito importante para gerar credibilidade na organização, para os relatórios dos projetos desenvolvidos, para prestar contas para seus patrocinadores e doadores. A quantidade de matérias é uma das métricas utilizadas”, conta Adriana.

Quanto mais aparece na mídia, maior o poder de influência junto aos tomadores de decisão. E não é só a grande imprensa. Jornais setorizados ou bem regionais são extremamente importantes para os projetos, pois cada um deve ter uma estratégia de divulgação bem específica para o objetivo.

As matérias na imprensa são trabalhadas em outras mídias, redes sociais, como links em sites e até em apresentações. “Também tenho observado uma retomada da relevância da imprensa principalmente se comparada às mídias sociais. Hoje, investir nas mídias demanda mais dinheiro e caixa do que investir numa estratégia de comunicação. Nas redes sociais, o terreno é alugado. Está havendo uma retomada do valor para assessoria de imprensa para todos”, observa Camila.

As vantagens de ser uma agência de nicho

Ser uma agência setorizada, de forma geral, facilita o relacionamento com a imprensa, pois as assessorias se tornam referências para os jornalistas. Veja esta e as demais vantagens apontadas por Adriana e Camila no caso da Pauta Social:

– É muito comum trabalhar a mesma pauta com até três: um com fonte; outro com personagem; outro com dados.


– A imprensa já identifica a agência como do terceiro setor. Isso economiza o tempo de apuração do jornalista. Quando ele precisa confrontar um dado ou projeto do governo ou comentar alguma política pública, por exemplo, já sabe qual assessoria procurar. 


– Facilita muito a questão do relacionamento com os repórteres, que já têm a assessoria como referência e buscam muito a parceria. Em muitos casos, a ponto de virar uma relação mais informal ou mesmo amizade. 
– O porta-voz celebridade: no caso de muitas ONGs, há embaixadores que são celebridades e naturalmente geram visibilidade para a causa.

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