Censo GIFE 22-23 mostra que recursos investidos superaram expectativas pós-pandemia

Entre os destaques desta nova edição está a superação da expectativa de volume de recursos investidos em 20%, o crescimento dos fundos independentes e uma maior projeção de recursos para 2023. Por outro lado, a concentração de recursos na região Sudeste, e disparidade de gênero e raça nos conselhos deliberativos requer atenção do setor

A 11ª edição do Censo GIFE, lançada em São Paulo (SP), no último dia 29, traz informações inéditas sobre a filantropia no Brasil a partir das organizações associadas ao GIFE. Um dos principais dados é referente ao valor dos investimentos mobilizados em 2022 e o número de respondentes da pesquisa. Foram R$ 4,8 bilhões investidos em 2022. O montante se equipara ao melhor ano da série histórica, em 2014, quando a quantia alcançada foi de R$ 4,9 bilhões em valores corrigidos pelo IPCA 2022. 

Dentre os 167 membros que integravam o grupo no momento da coleta de dados (abril/maio de 2023), 137 (82%) responderam ao Censo GIFE 22-23, tendo destaque as organizações independentes, com maior participação proporcional (85%).

Os recursos investidos no último ano se destacam em relação a 2020, quando os resultados do Censo tiveram forte influência do combate à Covid-19. Dos R$ 6,1 bilhões investidos naquele período, R$ 2,6 bilhões estavam voltados para o ações de enfrentamento à pandemia.. O volume não recuou aos patamares pré-pandemia, e superou a previsão dos investidores sociais em 20%. 

“Eu diria que o resultado é positivo, visto que o volume mobilizado não retornou à média de 2015-2019, é acima”, afirma Gustavo Bernardino, gerente de programas do GIFE.

Ainda assim, o principal fator apontado pelo Censo para a queda do montante de 2022 em relação a 2020 são os investimentos das empresas. Em 2020, foram R$ 2,3 bilhões aportados por esse grupo, em 2022 foram R$ 985 milhões. “Esse recuo era esperado, visto que foi o perfil de investidor social que mais tinha condições para canalizar recursos à contenção da pandemia, mas que superado esse cenário, naturalmente regrediria”, acrescenta o gerente de programas.

Para Raoni Biasucci, coordenador de projetos da ponteAponte, existe ainda outro elemento positivo: os dados de projeção de investimento para 2023, que sugerem aumento no volume de recursos, estimados em R$ 5,6 bilhões. 

“A partir de uma expectativa do ISP também conectado a fatores macroeconômicos de retomada, temos mais elementos para acreditar que o caminho é de progressiva atração de investimentos“, disse Biasucci.

A antropóloga Jessica Sklair celebra os resultados, mas questiona o que está sendo feito com esse recurso. Ela aponta que um dado relevante do novo Censo é que, embora as organizações de perfil mais executor ainda sejam maioria (55%), as organizações mais financiadoras crescem em número (43%). É a menor diferença entre os dois grupos já registrada pela pesquisa.

“É muito importante esse movimento na direção de repasse de recursos. Se a filantropia quer chegar nas suas metas de redução de desigualdades, grantmaking tem um papel muito importante para que as OSCs tenham autonomia“, afirmou Jessica.

No que se refere ao perfil dos investidores, o Censo surpreendeu ao mostrar que os independentes são os que mais cresceram na proporção da série histórica. Só do último levantamento (2020) para o atual, o salto foi de 19 para 29 fundos independentes. Em 2014, apenas 14 representavam essa categoria. No entanto, Raoni Biasucci ressalta que se trata de um perfil autodeclarado pelas organizações, e o perfil de respondentes varia organicamente conforme as edições do Censo.

Para Gustavo Bernardino, o setor vai se sofisticando ao longo do tempo, e novas formas de mobilização de recursos privados para a ação pública vão surgindo. Posicionamento que dialoga com o de Giovanni Harvey, diretor executivo de uma dessas organizações, o Fundo Baobá. “Como a filantropia está conseguindo se comunicar mais com a sociedade, eu acho que mais pessoas estão estimuladas a criarem organizações filantrópicas formais, embora eu seja defensor da tese de que filantropia sempre existiu.”

DESTINAÇÃO DOS RECURSOS

Por outro lado, o Censo segue praticamente estático em alguns aspectos. O Sudeste se mantém como a região em que se concentra a maior atuação dos respondentes do Censo, enquanto o Norte concentra a menor.

No que diz respeito às áreas temáticas, a educação ainda é o maior foco de atuação das organizações, apontada por 71% dos respondentes. Outra novidade no Censo 22-23, é a inclusão do valor investido por área temática. Apenas a educação foi alvo de cerca de R$ 2 bilhões, ou seja, 42% de todo o recurso mobilizado pelo ISP em 2022.

Para Jessica Sklair os dados não surpreendem, já que as áreas temáticas refletem os interesses de quem doa, porém a pesquisadora ficou desapontada por não identificar combate à crise climática nas áreas de mais destaque. “Chegamos em um momento com a crise ecológica mundial em que não podemos mais fechar os olhos. E existe uma possibilidade muito grande da elite brasileira liderar isso.”

CONSELHOS E DIVERSIDADE

Sobre o tema “Governança e diversidade” o Censo GIFE apresentou um cenário de alerta, onde conselhos deliberativos permanecem distantes da equidade de gênero e raça. Esses conselhos “configuram-se como instâncias decisórias relevantes para as organizações do ISP”, sendo o principal órgão de governança.

No recorte de gênero, o levantamento mostra que o percentual de mulheres ocupando espaços no conselhos alcançou 34%, enquanto em 2014 elas eram 27%. Contudo, levando em consideração os números absolutos, houve redução, já que antes mulheres eram 311 e atualmente são 307. 66% dos dos conselheiros das organizações são homens e apenas 1% pessoas não binárias. 

“Esses dados são ao mesmo tempo pouco surpreendentes e muito chocantes”, observa Jessica Sklair. A pesquisadora explica que os conselhos são completamente dominados por homens brancos, porque esse é o perfil da elite brasileira que está por trás da filantropia institucionalizada e que retém o capital empresarial, analisa Inês Lafer, presidente do Conselho do GIFE.

De acordo com o Censo GIFE 22-23, serão necessários cerca de 20 anos para que haja uma paridade entre homens e mulheres na composição dos conselhos deliberativos. 

Pessoas negras também são minorias, aponta o Censo. Apesar de a série histórica ter detectado aumento no percentual de conselhos deliberativos que têm pessoas negras entre seus membros – de 19%, em 2016, para 26%, em 2022 -, a 11ª edição apresentou retrações. No ano de 2020, 33 organizações tinham pessoas negras em seus conselhos, em 2022, esse número caiu para 27. O percentual de pessoas brancas nos conselhos hoje é de 92%, 7% negros, 1% amarelos/orientais e apenas 1 pessoa indígena.

O Censo concluiu que levará cerca de 60 anos para que todas as organizações tenham ao menos uma pessoa negra integrando seus conselhos deliberativos.

É um enfrentamento à desigualdade étnico-racial que ocorre no plano narrativo, mas que não se traduz na prática”, comenta Giovanni Harvey, também integrante do conselho do GIFE.

Organizações independentes são as que mais possuem representatividade, correspondendo a 46% dos conselhos deliberativos que possuem ao menos uma pessoa negra ou indígena. Enquanto os empresariais pontuam apenas 4% nesse quesito. 

Enquanto isso, o levantamento mostra que 81% dos institutos e fundações não possuem políticas para promover a ampliação da diversidade nesses conselhos. “Substituímos o mito da democracia racial, pelo mito de uma sociedade radicalmente comprometida com pautas antirracistas”, conclui Giovanni Harvey.

Fonte: GIFE

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